quinta-feira, 30 de março de 2017

Pensamento para sexta-feira [65] – Poesia



Foto: Carmem Machado


LUAR
(Gabriel Megracko)



O cometa não veio
O planeta misterioso
não veio
As estrelas não desabaram
O Sol não explodiu
Os extraterrestres
... há muito se exilaram
deste estrangeiro

Não identificado
o objeto não apareceu
causando desconforto
em nossos pescoços carentes
Cruzando a noite
só as fagulhas e os morcegos
Verdadeiras
são as sombras do Cerrado
-- noturnas, não se distraia! --
cercadas do azul prateado

E o mar!
O mar não invadiu a cidade
onde mendigos optaram
pela miserável liberdade
para a nossa obscura vergonha
Não, o mar não invadiu a cidade
como Hollywood sonha...
Mas quando o mar vier
varrerá também Hollywood da realidade
e levará para as profundezas
apocalipses e incertezas
mas isso também não aconteceu
na verdade

Rimas e outras milongas
também não são páreos para o luar
porque o luar não está no páreo
e sim em torno dele
E mesmo que naves alienistas
tenham caído por lá
na Lua
mesmo que os lunáticos afirmem
que os nazistas montaram base lá
aos meus olhos
nada há com o luar
além do além do luar
para o desespero dos farsantes

E não há infelicidade capaz de apodrecer esta noite:
O amor não é deste mundo
Os alquimistas já estão assassinados
O canto do Sol vem
na verdade
do fundo da noite
porque o Sol está morto

... a sombra está morta
os pássaros
corujas, urutaus e outras criaturas...
mortos
A justiça
tal como a concebem nossas sístoles
está também além
de nossas retinas perecíveis
É visível apenas para gatos, cactos
e semelhantes
cuja ética não estraga mais
porque está morta
morta

Homens...
toda uma vida nauseados
com este aroma de estrela decadente
Qual não será o seu espanto
-- ou terá sido o espanto esquecido? --
ao ver o rosto desencarnado de Deus
subitamente preenchido
de rápidos memoriais luminosos de suas ex-vidas!

Deus não surgiu
especificamente
de entre nuvens
mas apenas entre as árvores
vulto
no ar em movimento
aqui
e não lá
Deus não veio para nos salvar
Éramos deuses
quando éramos mortos
mas havia pedra no feijão
e quebramos um dente

Veio o luar
entre os ventos
os galhos, na seca esticada
no ar
nesta umidade
-- Precisávamos ter sido mais úmidos --

Não veio asteroide, bomba e nem mar
Veio, sim, o luar
mudo retumbante
a mais branca morte
sem vida
contínuo, sem cortes
e deixou para lá o céu

Veio
e é ver para olhar!
Veio, sim
e é aqui
e aqui está

Sim, aqui
e não lá

Quando eu morrer
vocês já sabem onde me encontrar




3 comentários:

Paulo M disse...

Lindo poema, acho que de esperança e desesperança, deus está e não está aqui, e também extraterrestres e fantasmas e a Justiça e um bombardeio de informações desencontradas, forjadas ou omitidas... Ontem uma manifestação movimentou o país de maneira quase "clandestina", e, exceto pelas manchetes da imprensa de esquerda, passou no escuro, ignorada pela mídia, que espertamente noticiou a aprovação da lei de terceirização após o fim dos protestos. Entendo o poema do Gabriel Megracko como um grito (pelo menos me serve assim), não de ódio, mas de inconformismo com o estado de coisas, de coisas desta Terra transportadas para o além, para o além-nada, que se justificam muitas vezes com base na ideia do livre arbítrio, ou, por que não, na ditadura do livre arbítrio.

Eduardo Maretti disse...

O comentário acima como que traduz, em prosa, o que o poema diz, em poesia.

"Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões"

Eduardo Maretti disse...

PS: Mas me parece que o poema transcende a pobre miséria (política e espiritual) brasileira. Um pouco como Caetano Veloso, que citei acima, faz com sua obra. Ou como Drummond.