sábado, 30 de julho de 2016

Lula propôs apenas um acordo com o capital, mas foi traído


"Por que essa ofensiva diante de um projeto, de um governo que o tempo todo tentou conciliar, desde 2003 até agora, e jamais apostou na ruptura e no enfrentamento?" (André Singer, em debate na USP - 13/04/2016)





Lula ter ido à ONU denunciar abuso de poder e violação da Convenção Internacional de Direitos Políticos e Civis, na "condução da Operação Lava Jato pelo juiz Sérgio Moro e os procuradores da investigação", nas palavras da CartaCapital, foi um fato político relevante. Mais simbolicamente do que na prática, já que, como se sabe, a ONU é uma espécie de "rainha da Inglaterra".

A ONU nada faz de concreto, a partir de sua sede (não por acaso) em Nova York. A destruição e a tragédia da Síria, que era talvez o mais laico e com certeza o mais belo país árabe do Oriente Médio, são a prova definitiva de que a ONU não serve para nada.

Mas, ONU à parte, aqui no Brasil a ofensiva segue na mesma toada, como mostra a capa da Folha deste sábado. Decisões judiciais alimentam manchetes, que por sua vez dão o tom de "verdade" às decisões judiciais, que citam as reportagens em seus arrazoados, e assim sucessivamente. O objetivo é óbvio: seja como for, tirar Lula da disputa pela presidência da República em 2018. A priori, a estratégia talvez não seja prendê-lo, o que poderia ser um tiro no pé.

Mas, voltando à manchete da Folha que ilustra este post, paradoxalmente, a própria Folha de S. Paulo publicou um texto que foi muito reproduzido pelo pessoal de esquerda nas redes sociais. No artigo do dia 26, intitulado "Escracho", a repórter especial do jornal Eleonora de Lucena escreveu:

" O impeachment trouxe a galope e sem filtro a velha pauta ultraconservadora e entreguista, perseguida nos anos FHC e derrotada nas últimas quatro eleições. Privatizações, cortes profundos em educação e saúde, desmanche de conquistas trabalhistas, ataque a direitos.

"O objetivo é elevar a extração de mais valia, esmagar os pobres, derrubar empresas nacionais, extinguir ideias de independência. Em suma, transferir riqueza da sociedade para poucos, numa regressão fulminante. Previdência, Petrobras, SUS, tudo é implodido com a conversa de que não há dinheiro. Para os juros, contudo, sempre há."

O texto da articulista é um dos melhores sobre o golpe, porque não fica apenas no episódio em si, mas resume de maneira cirúrgica o percurso golpista da elite brasileira desde 1932. É um texto precioso (leia a íntegra aqui).

Fico a me perguntar (como diria Mino Carta, cá com meus botões): como pode, um jornal que poderia desempenhar papel importante na defesa dos direitos constitucionais, mais uma vez embarcar num golpe oligárquico e mesquinho?

A elite brasileira e, particularmente, a paulista, poderia apresentar uma proposta de governo a partir da qual pudesse debater com a esquerda. Mas o que eles querem na verdade é só a destruição e o entreguismo.

O velho Claudio Abramo já escrevia, na antiga página 2 da própria Folha, que a burguesia brasileira é burra a ponto de não entender que um povo desenvolvido, esclarecido e inserido no mercado de consumo seria muito bom para o crescimento de todos, inclusive e principalmente do capital.

A perseguição a Lula é absurda. Lula nem mesmo tentou rompimentos. Ele propôs justamente e apenas uma aliança com o capital. Mas nem isso eles entenderam. O objetivo de Lula era superar a miséria para que todos crescêssemos, como mostra André Singer no livro Os sentidos do lulismo, que não chegou a abranger o primeiro mandato de Dilma, já que foi publicado em 2012, mas obviamente escrito antes. 

O fato é que a aliança proposta por Lula não deu certo porque o capital (a indústria e o mercado financeiro) rompeu o acordo unilateralmente, traiu Lula e Dilma e deu o golpe. E mais nada. Como a reacionária UDN faria. Triste país, o nosso.


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