terça-feira, 17 de abril de 2012

Cresce o poder político (e social) dos evangélicos no Brasil


A reportagem de capa da revista Fórum deste mês de abril (nas bancas) trata de um tema alarmante: o crescimento da influência religiosa (evangélica) na política brasileira. “Nos últimos meses, os evangélicos têm aparecido cada vez mais no cenário político e nas manchetes dos noticiários, ostentando grande capacidade de interferir nas decisões políticas”, inicia a matéria.

(Não nos iludamos: a capacidade de mobilização política dos evangélicos se evidencia claramente com a simples nomeação, pela presidente Dilma Rousseff, do senador Marcelo Crivella para o Ministério da Pesca, uma pasta meio de perfumaria, mas, enfim, uma pasta de governo.)

Episódios recentes evidenciam a, digamos assim, pusilanimidade do governo brasileiro diante da influência religiosa contrária ao Estado laico em matérias bem concretas: “a não veiculação de um vídeo de combate à Aids voltado para o público LGBT, os inúmeros obstáculos interpostos ao PLC 122 – que criminaliza a homofobia – no Congresso Nacional” são alguns desses episódios recentes, diz a matéria de Glauco Faria, que traça uma radiografia do crescimento dessa influência a partir de 1985 e o início das táticas do medo para influenciar a agenda da Assembleia Nacional Constituinte, táticas que se valiam de propagandas mentirosas segundo as quais a futura Constituição (promulgada em 1988) legalizaria o aborto, por exemplo –  como aliás vimos repetir-se assustadoramente na eleição presidencial de 2010.

O Deus dos evangélicos é muito prático, por sinal. Valendo-se da permissividade com que historicamente se outorgam concessões de rádio no país, em março de 2006 25,18% (um quarto!) das emissoras de rádio FM das capitais brasileiras eram evangélicas, de acordo com pesquisa citada pela matéria da Fórum. Outro dado interessante é o casamento bem sucedido entre a chamada “nova classe média”em ascensão e o ideário evangélico. O sociólogo Rudá Ricci constata “a emergência, no Brasil, de uma classe C conservadora e vinculada ao consumo e à família. A palavra de ordem é sucesso, e não a mobilização social”, diz Ricci na reportagem.

Em outras palavras: a “lei” atual é a da individualidade, diante da qual o coletivo não vale nada.


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Cabe ressaltar, de minha parte, que não tenho, particularmente, nada contra qualquer religião. Pelo contrário, são os fundamentalistas religiosos que não aceitam a diferença. A intolerância é bastante visível e assustadora na realidade brasileira, no cotidiano das pessoas.

Matéria da Folha de S. Paulo de 3 de abril relata um fato comum, e algo semelhante provavelmente está acontecendo no momento mesmo em que você lê este post.

“Uma professora de geografia de uma escola estadual de Minas Gerais resolveu iniciar as suas aulas rezando o pai-nosso com todos os alunos. Um deles, ateu, decidiu manter-se em silêncio.

“Ao notar a reação do estudante, ela lhe disse, segundo o relato do aluno, que ‘um jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida’. O aluno se irritou, os dois discutiram, e o caso foi parar na diretoria da escola.”

Segundo a matéria da Folha, Ciel Vieira, de 17, que discutiu com a professora, afirmou à reportagem: "Eu disse que o que ela fazia era impraticável segundo a Constituição. E a professora disse que essa lei não existia".

Já matéria de Terra Magazine de novembro de 2011 informava o que todos sabemos: que terreiros de religiões “de matriz africana” do bairro do Engenho Velho da Federação, em Salvador (BA), protestavam “contra a intolerância” e “contra os ataques de igrejas neopentecostais” a cultos como candomblé. “Nas rádios, eles nos atacam todos os dias e todas as horas. Não sou cão, não sou demônio, como eles dizem. Os neopentecostais são mais radicais. A gente quer respeito. Não invadimos as atividades deles”, protestou a Yalorixá Valnizia de Ayra, do Terreiro do Cobre, de acordo com a matéria de Terra Magazine.

Se a nação brasileira é constituída de Executivo, Legislativo e Judiciário, ao que parece apenas este último, via Supremo Tribunal Federal, tem cumprido a sua parte na manutenção do Estado laico conforme determina a Constituição de 1988, como têm mostrado os julgamentos da Suprema Corte: Anencefalia: mais uma vez, STF decide contra o obscurantismo

Um comentário:

Mayra disse...

Conforme ia lendo seu ótimo post, ia fazendo umas associações assim bem rápidas que falo agora, talvez pensando alto. Vc fala da força de organização dos evangélicos e o que isso implica em termos de poder político. Juntei esse fato com outro que é a força da bancada ruralista no parlamento - acabo de ler uma matéria sobre isso no Expresso SP - capaz de inviabilizar avanços em várias questões importantes. Vamos pôr nesse caldeirão conservador as administrações conservadoras do estado/cidade de SP, administrações eleitas pela maioria da população (como cereja a gente pode lembrar da última campanha vexatória e criminosa do Serra. Enfim, a gente tem, hoje, no Brasil várias frentes ultraconservadoras que se mobilizam, e se organizam, cada vez mais. Ao mesmo tempo, vivemos um momento político/social, com avanços pra lá de desejáveis, como jamais visto por estas bandas. Sabe qual comparação me veio agora? Com a luta por direitos civis nos EUA na década de 60. A polaridade daquele momento histórico rendeu grandes avanços por lá, com um preço alto óbvio, mas a sociedade civil, ou parte dela, avançou muito. Será que não se esboça por aqui algo parecido? De um lado os ultraconservadores organizados, e de outro, uma sociedade civil cada vez mais engajada à esquerda em movimentos das mais variadas origens - penso, além dos mov. nacionais, tipo mst, nos mov. políticos/culturais da periferia paulistana, por exemplo, que estão cada vez melhor organizados e com mais força. Acho que a gente vai ter uma boa noção disso - até onde a polaridade na vida política brasileira é capaz de nos levar a confrontos - nas próximas eleições.