sábado, 4 de fevereiro de 2012

Favoritos do cinema (3): Era uma vez no Oeste - Sergio Leone e o faroeste de cinéfilo italiano


 
Só um homem sai vivo desta. E três
deles não são o Charles Bronson

Por Nicolau Soares
(publicado originalmente no blog A Horda)

A cena é a seguinte: três homens de aparência bruta estão parados numa estação de trem. Impassíveis, aguardam, com a paciência de quem tem uma missão a cumprir. Não movem um músculo, até que o transporte chega. Sem uma palavra, se dirigem ao local de desembarque. O trem parte, e ninguém aparece, deixando os três desconcertados por um momento. Quando a máquina termina de passar, um som de gaita anuncia o recém-chegado.

- Frank mandou vocês?, pergunta o estranho, sorridente.
- Sim, ele mandou, responde o homem do meio.
- E onde está meu cavalo?

Os três riem alto.

- Parece que trouxemos um cavalo a menos!

O sorriso desaparece do rosto do estranho da gaita.

- Não. Vocês trouxeram dois a mais.

Esse é o começo de Era Uma Vez no Oeste, obra prima do diretor Sérgio Leone e clássico absoluto do gênero que ficou conhecido como “faroeste espaguete”. O apelido dado aos filmes de bangue-bangue que um bando de italianos encasquetou de fazer nas décadas de 1960 e 1970 – e que revelaram o monstro Clint Eastwood – desperta certo desdém nos apreciadores de westerns, mas é algo totalmente despropositado, pelo menos no que diz respeito aos filmes de Leone. O ragazzo sabia o que estava fazendo.

O gênero do faroeste nasceu, obviamente, nos Estados Unidos, terra que teve na conquista do oeste um de seus episódios mais importantes. Do ponto de vista histórico, tratou-se de uma série de conflitos expansionistas travados pelos primeiros estadunidenses contra quem eles vissem pela frente: franceses, mexicanos, texanos (chegou a ser um país independente), outros americanos e índios, muitos e muitos índios morreram na sede dos EUA em ampliar seu território. Nada inocente.

Charles Bronson, o Harmonica de Era uma vez no Oeste

Em Hollywood, porém, essa história sangrenta assumiu contornos épicos. Não era a ação imperialista e agressiva de um povo mais forte atropelando os vizinhos mais fracos, mas a saga de um povo bravo, heróico e bem intencionado para construir uma nação. É a luta do homem para dominar a natureza e impor a modernidade e conquistar a própria a liberdade– mesmo que o conceito de “natureza” inclua uns bichos de duas pernas e pele avermelhada. Você vai achar isso nos faroestes de Howard Hawks, Anthony Mann e, principalmente, John Ford, o rei dos westerns e maior alimentador do mito da América livre – que mais tarde ele próprio veio questionar, mas isso é outra história.

O interessante de notar aqui é a proximidade dos fatos históricos com os filmes que eles narravam. Para se ter uma idéia, o xerife Wyatt Earp, personagem dos mais citados, morreu em 1929, quando a arte cinematográfica já estava a todo vapor – diz a sábia Wikipédia que ele chegou a conhecer John Ford, Tom Mix e John Wayne, astros do gênero. Isso quer dizer que os roteiristas que escreveram as primeiras histórias de bangue-bangue estavam contando histórias que ouviram do próprio personagem, do tio dele, do avô, do velhinho com um olho falso e um dente de outro que bebericava no boteco perto de casa. Eles estavam falando de gente de verdade.

Tudo isso para chegar na grande peculiaridade do western spaguetti: os italianos não tinham nenhum velho manguaça que conheceu Billy the Kid, nenhuma velhinha da rua deles tinha tido caso com o Buffalo Bill. Eles não tinham nada a ver com aquilo. Então por que diabos resolveram fazer faroeste? Porque eles gostavam pra caramba de cinema.

Foi no cinema que os Sergios Leone, Corbucci e Sollima, diretores destacados do gênero, viram os grandes heróis da conquista do oeste. Eles não viram nem ouviram a história do supracitado WyattEarp perseguindo o bando de Ike Clanton, eles viram Henry Fonda ir atrás de Grant Withersem Paixão dos Fortes, filmado em 1946 por John Ford. E eles adoraram.

O que eles viram foram personagens violentos, fortes e impressionantemente habilidosos com seus revólveres – que raramente ficavam sem balas. Eles viram heróis que escapavam de tiroteios impossíveis sem levar um tiro. Viram duelos ao por do sol de arrepiar. Eles não estavam nem aí para a conquista do oeste, eles queriam é mostrar dois fodões se detonando.

A linda Claudia Cardinale deixou todo
mundo de queixo caído. Eu inclusive

Em Era Uma Vez no Oeste, os fodões são um jovem (e já muito feio) Charles Bronson, o tocador de gaita do primeiro parágrafo (que matou seus três “caronas”, by the way), conhecido no filme apenas como Harmonica (gaita em inglês), Henry Fonda, já veterano, como o cruel pistoleiro de aluguel Frank, que vem aterrorizando a região para facilitar a expansão de uma estrada de ferro, e Jason Robards, que interpreta o fora-da-lei Cheyenne, que não gosta do jugo de Frank, mas só se mete depois de conhecer a quarta personagem forte da trama, dessa vez uma fodona: a maravilhosa Cláudia Cardinale, que interpreta a viúva Jill McBrain, que resiste em vender suas terras e se torna alvo de Frank. O resto da história importa muito pouco: o que pega mesmo são as interpretações marcantes (Henry Fonda dá medo) e os confrontos dos personagens, como o relatado no começo. Filmaço.

xxxxxxxx

PS do blog:
não quis fazer esta observação na abertura deste ótimo texto sobre western para não interferir na edição original, do Nicolau. Dizer alguma coisa antes da foto que abre o post seria um desrespeito. Mas a observação é que hoje é sábado. Se estiver sem nada pra fazer, Era uma vez no Oeste é uma opção que você não esquecerá, se tiver sensibilidade.


Leia também: Favoritos do cinema: "Quando explode a vingança", de Sergio Leone

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